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Introdução ao raja yoga
O raja yoga é um dos principais tipos de yoga. No sânscrito, a palavra “rāja” significa real, ou realeza, e o termo rājayoga refere-se a yoga real. O objetivo deste tipo de yoga é alcançar o domínio mental e o controlo dos pensamentos (não é deixar de pensar).
Por outro lado, no contexto indiano, a palavra “yoga” é polissémica (tem vários significados). Contudo, relativamente a um sistema prático, a palavra yoga designa um estado extraordinário de consciência. Qualquer tipo de yoga prático, na sua origem, representa um método para a expansão da consciência.
Origem do raja yoga
O raja yoga teve origem no período medieval indiano. Vários autores e escolas ortodoxas medievais indianas referem Patañjali, e o seu texto Yogasūtra, como a fonte e a origem do yoga real. Além disso, mais tarde, já no século XX, o termo raja yoga tornou-se popular devido à publicação do livro de Vivekananda, com o título “Raja Yoga: A conquista da natureza interna”. No entanto, a verdade é que o Yogasūtra de Patañjali não refere a expressão raja yoga. Por conseguinte, o termo é uma construção posterior ao século V d.C.
Práticas do raja yoga
Existem diversas práticas aglutinadas sob o termo raja yoga. Além disso, ao longo da época medieval indiana foram criados vários sistemas de prática yoguica com a mesma designação: raja yoga. Por outro lado, o texto Yogasūtra não tem apenas um tipo de yoga, mas encontramos vários subtipos de yoga: Īśvarapraṇidhāna, kriyāyoga, aṣṭāṅgayoga, etc. Por conseguinte, aglutinar vários sistemas diferentes de prática debaixo do mesmo termo – raja yoga – é problemático.
Contudo, muitos autores medievais associaram a expressão raja yoga com o sistema aṣṭāṅgayoga do Yogasūtra. O sistema das oito disciplinas inclui: yama (éticas individuais), niyama (éticas da vida social), āsana (assento), prāṇāyāma (controlo da respiração), pratyāhāra (abstração sensorial), dhāraṇā (concentração), dhyāna (meditação), samādhi (enstase*).
Embora as escolas e os professores contemporâneos alegam que as suas práticas têm fundamento em Patañjali, a realidade é que no Yogasūtra não existem posturas: a palavra āsana significa “assento”. E um assento é geralmente uma posição do corpo, firme e confortável, para praticar meditação e as outras disciplinas do método. Apenas alguns séculos mais tarde, dentro da tradição haṭhayoga, é que a palavra āsana designou a execução de posturas físicas. Em resumo, a prática do yoga contemporâneo postural, não tem nada a ver com o Yogasūtra de Patañjali. Aliás, a própria tradição de Patañjali, durante vários séculos do período medieval indiano, teve poucos adeptos e encontrava-se moribunda (White, 2014).
As disciplinas do yoga real
As disciplinas práticas de dhyāna (meditação) e de ênstase (samadhi) são, sobretudo, as mais relevantes no sistema raja yoga. A meditação pratica-se através da concentração (dhāraṇā) num objeto ou âncora mental. Esta fixação da mente numa coisa, ou num ponto, é uma espécie de atenção plena, mas vai mais longe. A partir do momento em que o/a praticante fixa a atenção (foco) na âncora, fecham-se temporariamente as portas dos sentidos (pratyāhāra) e, com isto, restringe-se o fluxo psicomental que resulta do contacto da mente com os objetos e fenômenos do mundo, da memória, entre outras. Ainda assim, existem ainda outros fluxos mentais, nomeadamente as memórias e os gatilhos mentais, ativadores subliminares (da experiência e dos pensamentos).
Por outro lado, esta viagem interna, não é mais do que a experimentação de diferentes estados (modificados) de consciência. Quando o meditador e o objeto/ponto de meditação se fundem subjetivamente no substrato mental, num único fluxo continuo, esse estado designa-se samādhi. Ou seja, essa união entre a consciência do meditador e o objeto-âncora da meditação é uma espécie de fusão ou absorção mental. A âncora ocupa a totalidade do cenário mental e substitui temporariamente todos os outros pensamentos.
O Yogasūtra exemplifica possíveis âncoras ou objetos para a técnica da fixação mental: o umbigo, a região entre as sobrancelhas, o topo da cabeça, o sol, a lua, a estrela polar, etc. Contudo, o praticante deve escolher apenas um ponto para concentração (ekāgratā), aquele que mais lhe convém.
Etapas do samādhi
Por outro lado, o samādhi consiste numa ampla diversidade de etapas ou estágios. Estas fases representam pontos específicos na experiência contemplativa, pela procura da consciência, e são uma espécie de mapa. No entanto, é bom lembrar que o mapa não é igual ao terreno: é uma mera representação. Uma das formas de catalogar estas experiências subjetivas é agrupá-las em samādhi com semente (sabīja) e samādhi sem semente (nirbīja).
A experiência contemplativa nos samādhis com semente caracteriza-se pela existência de resquícios da atividade cognitiva. Assim, nesta fase, o praticante ainda cogita, processa, conhece e recorda, através da razão (vitarka), da reflexão (vicara), da felicidade (ānanda) e do sentimento do eu (asmita).
No entanto, a partir da fase de asmita, a experiência subjetiva na primeira pessoa da “dissolução do ego”, revela o nível da perceção da luminosidade interna: trata-se de uma espécie de clara luz mental que ofusca e absorve a qualquer pensar-consciente, e restringe em definitivo a atividade mental. Essa experiência não assusta, nem é patológica, mas é um abandono-desapego hiperconsciente que revela sobretudo o aspeto harmonioso e puro (sattva) da mente. Aqui, a transcendência do ego resulta no recolhimento perfeito no oceano de luz. A subjetividade desta experiência induz um lapso espácio-temporal, uma vez que cessa temporariamente a perceção do mundo e toda a fenomenologia que produz a realidade.
A luz (ainda) não é a visão da consciência
A visão da luz interna marca a passagem para o nirbīja samādhi – o ênstase ou absorção profunda sem semente, com plena consciência do vazio mental. Se a imersão total da consciência na luz permite a desidentificação com o eu, e com o agregado corpo-mente, surge, por consequência, o isolamento do Si Mesmo transcendental (kaivalya), que é o objetivo final do raja yoga. Assim, o Espírito vê(-se) o Si Mesmo pelo que a fenomenologia do nirbīja samadhi é indescritível, porque é inconcebível e não conceptualizada no contexto normativo racional.
Além disso, esta fase situa-se a montante de qualquer especulação filosófica pois é impossível especular sobre a ausência que está presente em todo o lado.
Conclusão
A experiência do raja yoga é aprimorada ao longo de vários anos de prática de leitura, de questionamento, de desapego, de meditação e ênstase. O samadhi deve ser uma prática diária. É necessário tempo, mas sobretudo é preciso um temperamento aventureiro, de navegador, para explorar as marés do espaço interno.
A profundidade e a beleza do raja yoga é precisamente essa. Através da prática do silêncio e da tranquilidade mental – que inequivocamente tem benefícios para a saúde mental e física -, progride-se nos níveis do autoconhecimento e da realização pessoal
Isto é empoderamento: é a capacidade do praticante viver as mudanças do mundo, com dores, sofrimentos, alegrias e prazeres, compreendendo porém que tudo isto são estados temporários. Nem aquilo que temos ou deixamos de ter define a essência do Ser.
O raja yoga não pretende resolver os problemas do mundo. Aliás, isso é o desígnio da Economia, da Política, das Ciências do Ambiente, e outras. O que o raja yoga preconiza é o domínio completo da mente, ou seja, o controlo do espaço interno. Tu deixas de ser escravo (dos sentidos) e tornas-te mestre (da mente). O raja yoga é um método para a Pessoa, para a descoberta da consciência e para o (auto)conhecimento.
Notas e Bibliografia
*Ênstase significa “estar dentro” ou recolhimento perfeito. É uma palavra inventada por Mircea Eliade, o grande historiador das religiões (que viveu em Portugal alguns anos).
Bibliografia
White, D. G. (2014). The Yoga Sutra of Patanjali: A Biography. Princeton University Press.