O yoga no feminino: uma espiritualidade sem domínio patriarcal
Por Maria Wilton | 13 Mar 19 | Destaque 2, Espiritualidades, Newsletter, Silêncio e Meditação, Terapias, Últimas.
Notícia extraída do Jornal Sete Margens acedido em 22 de Março 2019.
Cerca de 86 por cento dos praticantes do yoga em Portugal são do sexo feminino, conclui um estudo desenvolvido por Paulo Hayes, professor universitário e investigador na Universidade Lusófona, com o título “Yoga 2.0 no feminino“. Os dados baseiam-se num inquérito realizado no âmbito da sua tese de mestrado (ainda não publicada), que revela resultados surpreendentes sobre a prática feminina desta disciplina. Se o yoga era inicialmente praticado na Ásia apenas por homens, à medida que migrou para o ocidente e se aculturou aos diferentes países onde se instalou, foi-se tornando progressivamente mais praticado por mulheres. De acordo com o estudo, o perfil das praticantes de yoga nos países ocidentais revela que elas têm, na sua maioria, de 26 a 45 anos, são de classe média, têm uma escolaridade elevada e não são filiadas em qualquer partido político.
Mas como se terá dado esta aproximação do sexo feminino à prática da disciplina de meditação?
“As mulheres procuraram o yoga como uma forma de espiritualidade e prática espiritual, física e mental porque não tem o domínio patriarcal que é exercido nas religiões.
No yoga há mais liberdade para o corpo feminino, não há tanto controlo. A mulher pode praticar em casa sozinha ou reunir-se com outras mulheres na aula de yoga – algo que permite convívio, troca de informação e reforço de laços do feminino,” diz Paulo Hayes, em declarações ao 7MARGENS, depois de uma conferência em Lisboa em que falou sobre o tema, segunda-feira passada, 11 de março, na Universidade Católica.
O yoga 2.0 – yoga feminino
O yoga 2.0 foi o termo encontrado pelo autor para descrever esta mudança de paradigma na prática da disciplina: praticado inicialmente apenas por homens, na Índia, começa, durante o século XX, a ser praticado no Ocidente, mais por mulheres. “O paradigma do yoga moderno é este: com o passar do tempo, a prática afastou-se da religião hindu e da espiritualidade e assumiu uma narrativa biomédica – em que são mais valorizados os benefícios do yoga como terapia.” Segundo Paulo Hayes, esta pode também ser uma das principais razões que leva as mulheres a sentirem-se atraídas pela prática: os benefícios proporcionados ao corpo e mente. “Mesmo no corpo da mulher, há literatura que comprova de que a prática tem benefícios, na questão do parto, na preparação pré e pós-parto,” acrescenta. Segundo o estudo que tem desenvolvido, o yoga pode ainda “suavizar a instabilidade derivada de situações de trauma e de exploração da mulher, podendo promover” a capacitação feminina.
Finalidade do yoga feminino
No mesmo inquérito, o investigador perguntou aos inquiridos qual a finalidade da prática para eles. Em primeiro lugar, surgia “relaxar a mente”, em segundo estava a “espiritualidade” e, em terceiro, “exercitar o corpo.”
Para Hayes, é curioso que espiritualidade surja em segundo lugar, já que 441 dos 1054 inquiridos afirmam “não ter religião”. Mas isso é algo que faz sentido, diz: “A mulher vai procurar esse refúgio, esse momento de espiritualidade que começa num tapete de yoga – quase como um templo.” No estudo, o investigador diz inclusive que “a dimensão institucional do relacionamento com o sagrado manifesta-se na categoria religião. Já a espiritualidade, porque é parte integrante da experiência física pessoal, salienta o bem-estar e o desenvolvimento pessoal no pensamento moderno em conexão com o sagrado.” Já entre os 421 inquiridos que se dizem cristãos, 100 praticavam yoga porque estão à busca de espiritualidade. Na modernidade ocidental, o yoga não deixa, no entanto, de ser um negócio. Em Portugal, entre aulas, cursos e oficinas, a indústria terá um valor de mercado de aproximadamente cinco milhões de euros.
O Yoga Moderno Popular Postural
Segundo Paulo Hayes, “o yoga moderno é essencialmente postural e a representação na internet e no marketing social são encabeçadas por mulheres brancas, flexíveis, jovens e bonitas, de classe média-alta e com instrução superior.” Beleza, jovialidade, bem-estar físico e mental, acompanhados da ideia de que, em qualquer idade, se podem iniciar práticas de yoga, são alguns dos fatores decisivos que explicam a adesão feminina a esta forma de meditação. Este tipo de representações na publicidade e nos media já levou mesmo a acusações de que isso reflete uma visão estereotipada do corpo feminino.
“Se formos ver as capas das revistas – o Yoga Journal é a mais conhecida nos Estados Unidos, mas é igual nas congéneres europeias -, muitas dela têm sempre uma mulher na capa, com aquela imagem estereotipada. Associa-se essa imagem da mulher magra e bonita ao yoga.”
Acresce que a inexistência de ambiente competitivo nas classes, suportado por outras mulheres adeptas das práticas, permitiu que o yoga se tornasse numa ferramenta económica e eficaz na gestão dos ideais corporais femininos: “Desse ponto de vista é verdade, que o yoga pode ser uma prática feminina. Mas no caso indiano, por exemplo, é mais equilibrado, tendo uma distribuição de aproximadamente 50 por cento, entre mulheres e homens.”