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Tantra: doutrina, princípios e terapia

O Tantra é uma cosmovisão ou filosofia da Índia Medieval. Este artigo refere o que é o Tantra, as suas características e o significado da palavra. Além disso, explicamos porque o Tantra Yoga é visto como uma terapia. No final, indicamos algumas dicas sobre como escolher a escola. 

Índice do conteúdo

Tantra Yoga o que é?

O que é o Tantra Yoga?  É uma tradição espiritual originária da Índia Medieval, com as suas raízes profundamente enraizadas no ideal de aprimorar o potencial do corpo enquanto veículo para a Espiritualidade. Assim, embora algumas práticas tântricas possam ser mais antigas, só a partir do século IV d.C. é que encontramos os textos mais elementares da doutrina.

Além disso, enquanto o Haṭha Yoga tradicional, a partir do século XI d.C., que tem matriz tântrica, visa a união do corpo e da mente para alcançar um estado extraordinário de consciência, o Tantra Yoga preconiza que essa busca deve incluir o divino. A experiência direta e a expansão da consciência, em todos os aspetos, permitem alcançar os objetivos da vida corpórea.

No Tantra Yoga, a prática é  uma forma de transcender a dualidade e de experimentar a unidade com o Cosmo. Através de uma variedade de técnicas, como a meditação, os mantras (sons sagrados, geralmente em sânscrito), os mudrās (gestos simbólicos), as visualizações, entre outras práticas rituais, alcança-se o objetivo.

Características do Tantra

Uma das características centrais é a ênfase na energia subtil, designada por kuṇḍalinī. É uma espécie de força vital que reside no corpo humano, nomeadamente na base da coluna vertebral. Assim, a prática tântrica procura despertar o poder do corpo e canalizar essa energia, ao longo da coluna vertebral, para elevar a consciência – através dos cakras e nāḍīs – e posteriormente alcançar estados de realização espiritual. Assim o Tantra é uma cosmovisão indiana, um darśana.

Por conseguinte, o Tantra Yoga não se concentra exclusivamente na sexualidade, como é conhecimento comum nos meios mais populares. Atualmente, a história do Yoga e do Tantra são disciplinas de investigação académica em Universidades (1). No entanto, é verdade que algumas tradições do Tantra incluíram práticas sexuais – maithuna – como parte de um caminho espiritual mais genérico.

Aliás, as escolas da Mão Direita e as escolas da Mão Esquerda interpretaram os textos da tradição – os tantras – de forma extensiva e literal, respetivamente. Para os primeiros, maithuna significa amor universal, enquanto os segundos praticaram o sexo ritual.

O Tantra dá ênfase ao princípio cósmico feminino: a śakti. No entanto, o culto da Deusa, que está no âmago de muitas escolas tântricas, já existia na época védica. A tradição tântrica Hindu afirma que existem 64 tantras.

Eles referem a criação e a história do mundo; dos nomes e funções de um largo rol de divindades masculinas e femininas e de outros seres superiores; dos tipos de adoração ritual, de magia, feitiçaria e artes divinatórias, da fisiologia esotérica, do despertar da misteriosa serpente kuṇḍalinī; de técnicas de purificação corpórea e mental; da natureza da iluminação; da sexualidade sagrada (2).

No entanto, a doutrina foi adotada em algumas escolas do budismo, do jainismo, do sufismo, e fora da Índia.

Significado de Tantra

A palavra é derivada da raiz “tan” que significa estender, esticar. Ou seja, aquilo pelo qual o conhecimento ou compreensão se expandem. Todos os adeptos concordam que a libertação só se torna possível pelo nascer da sabedoria, vidyā. A sabedoria é libertadora porque firma o praticante do tantra na “continuidade” que existe entre as dimensões finita e infinita.

O Tantra procura superar de diversas maneiras o dualismo entre a realidade suprema e a realidade condicionada, insistindo na continuidade que existe entre o próprio processo do mundo e o processo de libertação ou iluminação.  A libertação não é uma questão de deixar o mundo para trás ou eliminar os próprios impulsos naturais.

É uma questão de ver que a realidade inferior está contida na superior e é idêntica a ela, e de deixar que a superior transforme a inferior. A característica básica da doutrina é a integração – a integração do eu com o Si Mesmo, da existência corpórea com a realidade espiritual (2). Por conseguinte, o Tantra Yoga – uma fusão das duas cosmovisões – abraça todos os aspetos da vida como sagrados, incluindo os tópicos mais mundanos e materiais.

Através do Tantra Yoga, os praticantes procuram integrar as polaridades da existência – luz e escuridão, masculino e feminino, sagrado e profano – numa experiência unificada da totalidade. Isso é alcançado através da prática diligente e da transformação consciente de padrões mentais e emocionais, que de alguma forma são limitadores.

tantra yoga

Filosofia Tantra

A filosofia Tantra é uma tradição espiritual que aborda a natureza fundamental da existência e almeja a realização da consciência divina dentro de cada ser humano. Baseia-se numa série de princípios que enformam a compreensão do universo e oferecem orientação para a prática.

  1. Cosmologia: O universo é uma expressão inter-conectada e holística com o Sagrado. Tudo é manifestação divina, desde os átomos até as estrelas. Além disso, a ligação invisível entre todas as coisas é sagrada.
  2. Śiva e Śakti: Há duas forças primordiais e complementares, chamadas de
    Śiva e Śakti
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    Sabias que são nomes de deuses hindus?x
    . Esses polos representam a consciência em potência, no estado latente, e a consciência em movimento, a energia criativa. A interação dinâmica entre essas energias é a base de toda a manifestação (criação).
  3. Kuṇḍalinī: Cada ser humano possui uma energia potencial chamada kuṇḍalinī, que reside na base da coluna vertebral. A prática desperta e eleva essa energia latente através dos cakras, centros de energia no corpo subtil, para alcançar a consciência espiritual.

    Ritual e transcendência 

  4. Aceitação e Transcendência: Ao contrário da renúncia do mundo material, como preconiza a filosofia Vedānta, o Tantra ensina a aceitar e a abraçar todas as experiências do corpo como oportunidades para crescimento reflexivo. Isso inclui reconhecer e transcender as dualidades da vida, como o prazer e a dor, a luz e a escuridão.
  5. Ritual e sacralidade: Incorpora rituais e práticas como forma de ligação ao sagrado. Desde mantras e mudrās, até aos rituais devocionais. Essas práticas são vistas como formas de canalizar energia e elevar a consciência egóica.
  6. O ritual dos cinco M ou pañcamakara. Essas cinco práticas, cujos nomes em sânscrito começam todos com a letra m, são as seguintes: madhya (vinho), matsya (peixe), māṃsa (carne), mudrā (cereais tostados) e maithuṇā (relação sexual). Estes cinco elementos são compreendidos metaforicamente pelas escolas de direita e praticados literalmente pelas escolas da esquerda

Terapia Tantra: como funciona?

O Tantra enquanto terapia oferece uma abordagem holística para o bem-estar físico, emocional e espiritual. Assim, utiliza os princípios e as práticas para promover a terapia e transformação pessoal, através de:

  • Consciência Corporal: O aspeto terapêutico frequentemente começa com a consciencialização corporal, ajudando os indivíduos a valorizarem os seus corpos e a desenvolverem uma maior sensibilidade às sensações. Isso pode incluir práticas de respiração, meditação e movimentos corporais conscientes.
  • Desbloqueio de Energia: Uma parte fundamental da terapia é o desbloqueio e a circulação da energia vital kuṇḍalinī através dos chakras, ou centros de energia, no corpo. Os adeptos acreditam que isso pode ser alcançado através de técnicas do yoga tântrico, que inclui visualizações. De certa forma, o Tantra tem alguma semelhança, ainda que ténue, à Alquimia.
  • Integração Emocional: A terapia desta doutrina aborda questões emocionais ao reconhecer e aceitar todas as emoções como parte natural da experiência humana. Os praticantes são incentivados a explorar e a expressar as suas emoções de forma saudável, permitindo a libertação de bloqueios emocionais e o cultivo de maior consciência emocional.

    Relacionamentos e integração

  • Terapia Relacional: Muitas vezes, o terapêutico envolve questionar os relacionamentos, ajudando os casais e as famílias a cultivar uma maior intimidade, comunicação e partilha emocional. Isso pode ser feito através de práticas como a meditação, exercícios de comunicação e rituais de conexão.
  • Integração Espiritual: Reconhece a importância da dimensão espiritual na cura e no bem-estar. Através de práticas espirituais como meditação, rituais sagrados e expansão da consciência, os praticantes podem encontrar um sentido mais profundo de propósito e ligação com algo maior do que eles próprios.
  • Cultivo da Plenitude: O objetivo da cosmovisão enquanto terapia é ajudar os indivíduos a alcançarem uma sensação de plenitude e integridade a todos os níveis – físico, emocional, mental, social e espiritual. Isso envolve a promoção do autoconhecimento, a aceitação incondicional de si mesmo e dos outros, e a procura contínua pela expansão da consciência, na senda do sagrado.

Como escolher a escola de Tantra

A escolha de uma escola de Tantra é uma decisão importante, pois determina a jornada de aprendizagem e prática dentro dessa tradição. A maior parte dos indivíduos transita de escola em escola, à procura de novas experiências sensoriais, mas essa abordagem só funciona no início do percurso. Devido a recentes polémicas e abusos de gurus, nomeadamente em Portugal, nem tudo brilha no Tantra. 

O problema não é da filosofia, mas dos abusadores. Assim, é fundamental utilizarmos o raciocínio crítico antes de nos comprometermos com qualquer escola, a fim de evitar seitas. Tenha em consideração algumas tarefas importantes que o/a ajudam a escolher a escola de Tantra mais adequada, entre as poucas que existem em Portugal:

  1. Pesquisa e avaliação: Comece por procurar diferentes escolas. Leia os sites da internet, os materiais educativos e os testemunhos dos alunos. Além disso, certifique-se de entender a abordagem, os valores e a pedagogia.
  2. Credibilidade e reputação: Verifique a credibilidade e a reputação da escola. Isso inclui investigar as aulas e a formação oferecida, a experiência dos professores, e se a escola é reconhecida por outras organizações.
  3. Filosofia e abordagem: Considere se a filosofia e abordagem da escola ressoam consigo. Algumas escolas podem enfatizar aspetos específicos, como a meditação e o yoga tântrico, mas geralmente não referem práticas sexuais. Escolha uma escola que esteja alinhada com os seus interesses e objetivos, mas não se deixe enganar.

    Programas e Opiniões 

  4. Currículo e programas: Analise o currículo e os programas oferecidos pela escola. Verifique se eles abrangem uma variedade de tópicos relevantes, desde teoria e prática, até à ética e ao estudo. Além disso, considere a estrutura dos ensinamentos, a duração, e se está de acordo com as suas necessidades.
  5. Feedback dos alunos: Procure feedback e opiniões de alunos atuais ou antigos da escola, nas redes sociais, nos fóruns e na Internet em geral. Isso pode oferecer opiniões valiosas sobre a qualidade do ensino, o suporte oferecido aos alunos e a experiência geral de aprendizagem.
  6. Adequação pessoal: Leve em consideração a sua própria intuição e o conforto percepcionado ao escolher uma escola de Tantra. Certifique-se que se sente segura, respeitada e bem-vinda no ambiente do grupo.

Conclusão

O Tantra é uma filosofia originária da Índia que, nas últimas décadas, se expandiu para o Ocidente. Inclui um sistema epistemológico, prático e ritualístico, tão válido quanto outras cosmovisões indianas. Poucas pessoas conhecem bem esta cosmovisão e, em geral, no milieu popular, a prática é conotada com sexo, o que está completamente errado. 

A doutrina tântrica tem aplicações terapêuticas e de desenvolvimento pessoal. Para escolher uma escola é necessário fazer uma pesquisa e avaliação, para uma escolha e decisão consciente.

Bibliografia

(1) Samuel, G. (2008). The Origins of Tantra and Yoga. Cambridge University Press.
Gordon White, D., Editor (2013). Tantra in Practice. Motilal Barnasidass.
Wooddroff, J. (1991). Principles of Tantra. Ganesh & Co.
(2) Feuerstein, G (1998). Tantra: The Path of Ecstasy. Shambhala South Asia Editions.

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