Este artigo aborda a relação entre a solidão, o isolamento e a saúde mental e as técnicas e práticas de yoga. Acima de tudo, elucida como e porquê esta prática milenar é particularmente adequada para aqueles que se sentem isolados e que procuram uma forma holística de se ligarem com os outros.
A solidão é um problema social prevalente e crescente que pode dever-se ao envelhecimento da população. Em 2022, Portugal apresentava um Índice de Envelhecimento de 183,5% (1). Ademais, as mudanças na organização da sociedade e nas estruturas familiares leva a que muitos adultos mais velhos vivam isolados. Isto causa sofrimento significativo, afeta negativamente a qualidade de vida, bem como leva ao aumento da mortalidade. À medida que envelhecem, as pessoas idosas diminuem a sua participação na comunidade, levando a sentimentos de solidão, falta de valorização e um declínio acelerado (2).
Os determinantes da solidão
Nas regiões urbanas de Portugal, 9 em cada 10 idosos relatam algum grau de solidão. Além disso, mais de 1/3 experimenta este sentimento em intensidade moderada a grave. Os principais determinantes em Portugal são a morte do conjugue e a perda ou enfraquecimento da relação com os filhos (3). Como fatores protetores identificam-se o casamento, a educação superior e o maior rendimento económico. Existe uma escala de solidão validada para a população portuguesa, a UCLA – Loneliness Scale, utilizada em diversos estudos (4).
Parte superior do formulárioSomos seres sociais e é inerente à nossa natureza interagir e estabelecer conexões com outros indivíduos. Vivemos rodeados de pessoas, mas não necessitamos apenas da presença de outros. Além disso, carecemos também de pessoas que nos valorizem, em quem possamos confiar e com quem possamos comunicar.
A solidão e o isolamento
Embora associada ao isolamento, a solidão é conceitualmente diferente. A solidão pode existir sem isolamento e o isolamento sem solidão. O isolamento corresponde à perceção de uma separação física real. Contudo algumas pessoas têm preferência por passar mais tempo sozinhas e possuem uma rede social limitada (isolamento ativo), sem necessariamente se sentirem solitárias.
Por outro lado, a solidão é um sentimento subjetivo, multidimensional e complexo que se relaciona positivamente com o neuroticismo (5). Desde já, ocorre quando existe uma diferença entre as preferências pessoais de envolvimento social e a rede social que o indivíduo possui (isolamento passivo). Quando uma pessoa se sente sozinha, ela perceciona as suas interações sociais como inadequadas ou de baixa qualidade. Assim, a solidão é uma resposta emocional e, como tal, ancorada na Psicologia. Está no indivíduo e na forma como ele se sente, explicando como é que é possível sentirmo-nos sozinhos no meio de uma multidão.
A solidão e a saúde mental
O modelo psicossocial da solidão incorpora dois processos cognitivos-chave que medeiam entre as circunstâncias da pessoa e a sua resposta emocional. Primeiramente, há uma série de “fatores predisponentes” (as características pessoais individuais e valores e normas culturais) que moldam e limitam a maneira como as pessoas reagem às mudanças da vida. Em segundo lugar, os “processos cognitivos” que rotulam e atribuem causalidade à situação da pessoa ao avaliar a sua capacidade, ou não, para melhorar a sua paisagem emocional (6).
Embora este não seja um problema de saúde mental, frequentemente os problemas de saúde mental, particularmente a depressão e a ansiedade social, podem causar este sentimento. Por outro lado, a solidão pode causar problemas de saúde mental. Existe uma relação semelhante com a demência, onde a solidão pode causar declínio cognitivo, o que pode levar as pessoas a sentirem-se solitárias (7).
Intervenções psicológicas na solidão
Diversas intervenções psicológicas têm sido estudadas para combater a solidão. A nível individual, as mais eficazes lidam com as distorções cognitivas relacionadas às interações sociais, consistente com o modelo de solidão, particularmente as que se baseiam na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e na Mindfulness.
A TCC pode ajudar a lidar com a com este problema em fases tardias da vida bem como na população adulta em geral. A identificação de pensamentos automáticos negativos é particularmente útil quando a solidão se deve à dificuldade em formar conexões com outras pessoas. Da mesma forma, a Mindfulness desafia a tendência mental de ruminar obsessivamente sobre medos ou avaliações negativas relacionadas com a capacidade de uma pessoa se envolver com os outros. Pode aliviar a solidão em populações mais velhas bem como na população adulta em geral (8).
Prescrição social e solidão
Outra abordagem é a Prescrição Social, um modelo biopsicossocial com foco nos determinantes sociais da saúde. Estabelece uma ponte entre a prática clínica tradicional e os recursos da comunidade, com foco em intervenções de grupo.
Vários estudos demonstram que programas de Prescrição Social conduzem a melhorias da qualidade de vida e do bem-estar geral. Levam também à redução de sentimentos de solidão, de ansiedade, bem como de problemas emocionais.
Os participantes nos programas de Prescrição Social relatam sentir-se menos solitários, mais conectados aos outros bem como maior bem-estar. Acima de tudo, relatam mais confiança e maior propósito na vida. A oportunidade de participar em grupos da comunidade, facilitada pelo serviço de Prescrição Social, permite não só a partilha de experiências bem como de perceber que outros indivíduos passam pelas mesmas situações (9).
O yoga na solidão
Para mais detalhes, veja o nosso glossário de yoga.
O yoga pode ajudar na solidão de várias maneiras, nomeadamente:
- Criar conexão entre a mente e o corpo: O yoga enfatiza a conexão entre a mente e o corpo, ajudando a cultivar uma maior consciência de si mesmo. Este aumento da consciência ajudar a pessoa a compreender melhor as suas emoções, incluindo a solidão, logo a lidar com elas de maneira mais eficaz.
- Prática de foco no momento presente: O yoga frequentemente incorpora técnicas de mindfulness, como a atenção plena e o foco na respiração no momento presente. Estas práticas podem ajudar a pessoa a sentir-se mais ancorada no presente. Assim, reduz a ruminação sobre estar sozinho e como resultado promove uma sensação de calma e de equilíbrio interior.
- Uma comunidade yoga: Participar em aulas de yoga pode proporcionar uma sensação de comunidade e de pertença. Ademais, conectar-se com outras pessoas que compartilham interesses semelhantes pode ajudar a aliviar a solidão. São criados novos relacionamentos e maior apoio social.
Stresse e autoaceitação
- Diminuição do stresse e da ansiedade: O yoga é conhecido pelos seus efeitos de redução do stresse e da ansiedade. Ao praticar regularmente, uma pessoa pode experimentar um aumento geral no bem-estar emocional. Certamente isto ajudará a mitigar os sentimentos de solidão.
- Autoaceitação e amor-próprio: O yoga incentiva a prática da autoaceitação e do amor-próprio. Ao envolver-se numa prática que celebra o corpo, a mente e o espírito, uma pessoa pode desenvolver uma maior compaixão por si mesma. Como resultado, o yoga pode ajudar a reduzir sentimentos de isolamento e, acima de tudo, a minimizar a solidão.
Embora o yoga não seja uma solução única para a solidão, pode ser uma ferramenta valiosa quando combinada com outras estratégias, como as já referidas. Além disso, o yoga favorece uma procura ativa por conexões sociais significativas e a prática regular do autocuidado emocional.
Referências
(1) PORDATA, Base de dados Portugal Contemporâneo (2022). Índice de Envelhecimento 2022. Disponível em: https://www.pordata.pt/municipios/indice+de+envelhecimento-458
(2) Azeredo, Z. & Afonso, M. (2016). Solidão na perspetiva do idoso. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro; 19(2):313- 324. https://doi.org/10.1590/1809-98232016019.150085
(3) Anes, E., Ferreira, A., Veiga, C., Lopes, I., Cordeiro, V., Brás, M. (2021). Solidão e isolamento nos idosos em Portugal: revisão sistemática da literatura. Revista de Psicología International Journal of Developmental and Educational Psychology ISSN 0214-9877, 1:2. p. 509-518. http://hdl.handle.net/10198/25268
(4)https://www.iscet.pt/uploads/obSolidao/avaliacao_solidao_felix_neto.pdf
(5) Buecker, S., Maes, M., Denissen, J. J. A., & Luhmann, M. (2020). Loneliness and the Big Five Personality Traits: A Meta–Analysis. European Journal of Personality, 34(1), 8–28. https://doi.org/10.1002/per.2229
(6) Robertson, Guy. (2019). Understanding the psychological drivers of loneliness: the first step towards developing more effective psychosocial interventions. Quality in Ageing and Older Adults, Vol. 20 No. 3, pp.143-154.
(7) The Campaign to End Loneliness (2020). Policy report on the psychology of loneliness: why it matters and what we can do. U.K. https://www.campaigntoendloneliness.org/wpc-content/uploads/Psychology_of_Loneliness_FINAL_REPORT.pdf
(8) Lindsay, E., Young, S., Brown, K., Smyth, J., & Creswell, J. (2019). Mindfulness training reduces loneliness and increases social contact in a randomized controlled trial. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 116(9), 3488–3493. https://doi.org/10.1073/pnas.1813588116
(9) Vaz, T. & Sá, L. (2021). A Prescrição Social – Uma revisão do tema. Revista Psicologia, Saúde & Doenças. 22, Nº.3, 971-978. Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde. https://doi.org/10.15309/21psd220316
Licenciada em Microbiologia (Londres) e em Psicologia (Lisboa). Frequenta o mestrado em Psicologia na Universidade de Lisboa. É yogaterapeuta, instrutora e formadora nos cursos de yoga do IPYM.