Este artigo utiliza a palavra portuguesa Ioga, pois é o mesmo que Yoga. Além disso, referimos a origem do Ioga, algumas considerações sobre o passado do Ioga e os tipos mais comuns. No final, incluímos os principais estilos praticados aos dias de hoje e a bibliografia.
Ioga na origem
A origem do Ioga remonta à antiga Índia. Hoje o Ioga é um sistema filosófico – darśana – e prático que abrange várias dimensões. Inclui éticas e técnicas, físicas e mentais. Contudo, embora é difícil estabelecer datações com rigor (o mesmo acontece em diversa literatura indiana), os primeiros registros da palavra são encontrados nos Vedas. São textos sagrados da cultura védica. Assim, o mais antigo de todos, o Ṛgveda, foi provavelmente escrito entre 1200 e 1500 a.C.
No entanto, os Vedas contêm hinos, mantras, rituais e conhecimentos espirituais transmitidos oralmente por muitas gerações. No entanto, o Ioga como uma prática distinta começou a desenvolver mais claramente com os Upaniṣads, que são textos filosóficos que foram escritos depois do ano 800 a.C.. Acresce que os Upaniṣads exploram questões profundas sobre a natureza da realidade, a consciência e a procura espiritual, introduzem ideias centrais do Ioga, como o conceito de Brahman (a realidade última) e o Ātman (a consciência individual).
Ioga na Tradições Heterodoxas
Inicialmente, nos Vedas, o Ioga era apenas um conceito e um conjunto de ideias. Assim, ainda não existiam práticas físicas nessa altura. Por conseguinte, nós encontramos o Ioga como um corpo mais ou menos sistematizado só com as tradições Śramana – o budismo e o jainismo – a partir do Século V a.C. Quanto ao Ioga físico – o haṭha – ele emergiu apenas a partir do segundo milénio da Era Comum.
É claro que você pode encontrar, igualmente, outras versões românticas sobre a origem da palavra, em blogues e nas páginas de internet de pessoas famosas. Contudo, são opiniões e crenças pessoais, ou baseiam-se naquilo que os gurus ensinaram (com o devido respeito), e não na interpretação dos factos históricos. Qual das versões você prefere?
O conhecimento sobre a disciplina foi impulsionado no Ocidente por académicos brilhantes, como por exemplo, Mircea Eliade e Georg Feuerstein. Contudo, as cronologias defendidas por esses autores foram ultrapassadas. Devido aos avanços no estudo da filologia e do sânscrito, do recente HaṭhaIoga Project e dos académicos contemporâneos, como por exemplo, James Mallinson, Mark Singleton, Geoffrey Samuel, Stuart Sarbacker, Elisabath De Michelis, entre outros, nós hoje temos cronologias mais corretas e atualizadas. Assim, no final deste artigo, na seção da bibliografia, encontra literatura mais recente. É o melhor que temos, aos dias de hoje!
História do Ioga: Origens Védicas
Assim, os primeiros vestígios do Ioga são visíveis nos Vedas, os textos sagrados da cultura védica. Os Vedas contêm hinos, mantras, rituais e conhecimentos transmitidos oralmente por muitas gerações. Embora não haja um sistema de Ioga definido nesses textos, como já vimos, eles contêm algumas ideias que são centrais para o posterior desenvolvimento da prática. Os Upaniṣads também estabeleceram importantes bases filosóficas para o desenvolvimento posterior do Ioga.
Além disso, as tradições do Budismo e do Jainismo contribuíram muito para o desenvolvimento do Ioga, através de práticas ascéticas e meditativas. Por exemplo, nós encontramos no texto bramânico do Iogasūtra alguns elementos do budismo Yogācāra (prática de Ioga) e das éticas jainitas, como ahiṃsā ou não-violência, que são anteriores ao texto de Patañjali.
A Literatura do Ioga
A Bhagavad-gītā, o Yogasūtra de Patañjali, mais o comentário de Vyāsa: o Yogabhāshya, foram marcos importantes na história da prática. Nessa altura, começou a sistematização e a codificação dos ensinamentos do Ioga. O Yogasūtra foi compilado por volta do ano 400 d.C. Ele descreve a via do Ioga em oito etapas, conhecida como aṣṭāṅgayoga (não confundir com o Ioga Moderno Postural e dinâmico de Pattabhi Jois, com o mesmo nome).
As etapas do aṣṭāṅgayoga de Patañjali incluem orientações para a conduta ética, práticas físicas, controlo mental, meditação e estados de consciência mais refinados. O Yogasūtra de Patañjali é um texto fundamental para o estudo e para a prática. No entanto, é preciso salientar que não existe apenas um sistema de Ioga nesse texto. Por exemplo, o capítulo segundo refere o sistema Kriyā.
Expansão do Ioga
No período medieval, designadamente na viragem do Século X para o XI d.C., o Ioga desenvolveu-se ainda mais com o aparecimento do HaṭhaIoga. Este enfatiza a prática física, incluindo as posturas (āsana), os exercícios de respiração (prāṇāyāma), as purificações corporais (ṣaṭkarma), as técnicas de controle de energia (mudrā e bandha), a meditação e outras práticas. O HaṭhaIoga é a base, com raríssimas exceções, das formas populares de Ioga praticadas hoje em dia.
A expansão global da disciplina ocorreu no século XX. A prática foi difundida além das fronteiras indianas. Além disso, os professores indianos, como por exemplo, Vivekananda, Yogananda, Krishnamacharya, Iyengar, Sivananda, Jois e outros, viajaram e partilharam os ensinamentos do Ioga no Ocidente. Isso levou à popularização do Ioga em todo o mundo e ao desenvolvimento de várias abordagens e estilos de prática, influenciados pelas culturas locais.
Tipos de Ioga
Há uma divisão tradicional de 4 tipos de Ioga, mas isso não significa que todos eles sejam praticados no dia a dia.
O Karma Ioga é um dos tipos descritos nos textos filosóficos, como na Bhagavad-Gītā. É um caminho de ação desinteressada e de serviço altruísta. Neste contexto, a palavra “karma” significa ação. No Karma Ioga, o foco está na realização das ações com uma atitude desapegada aos resultados e no serviço dedicado aos outros. Os praticantes de Karma Ioga procuram agir sem esperar recompensas pessoais, reconhecimento ou ganhos materiais. Em vez disso, eles vêm as suas ações como uma forma de contribuir para o bem-estar e a harmonia do mundo, e claro, livrarem-se de renascimentos futuros.
Bhakti Ioga
A Bhakti Ioga é um dos caminhos que aparece na Bhagavad-Gītā. É uma via devocional que enfatiza a devoção amorosa e a entrega a uma divindade ou ser supremo. A palavra “bhakti” pode significar devoção ou amor fervoroso. Na Bhakti Ioga, o praticante cultiva um relacionamento íntimo e amoroso com um aspeto da divindade, seja um deus, uma deusa ou um aspeto transcendental do divino. Esse relacionamento constrói-se através da devoção, dos rituais, dos cânticos, da meditação e de orações, e do serviço à divindade pessoal de adoração – o iṣṭa-devatā.
Jñāna Ioga
Já o Jñāna Ioga é outra das vias que vem descrito nos Upaniṣads, e muitos outros textos. É um caminho de conhecimento e sabedoria, que busca a realização do Eu verdadeiro através da investigação intelectual, da reflexão (tarka) e do discernimento (viveka).
A palavra “jñana” significa conhecimento ou sabedoria, é semelhante à gnose grega. No Jñana Ioga, o praticante busca compreender a natureza da realidade, a verdade última e a natureza do eu mais profundo. Isso é feito através do estudo dos textos sagrados, como os Upaniṣads, a bhagavad-gītā e o Vedanta/Brahma sūtra, além da contemplação sobre questões filosóficas mais profundas.
Rāja Ioga
O Rāja Ioga é uma das vias tradicionais da prática. Os textos filosóficos medievais indianos descrevem a prática. No entanto, essa expressão não ocorre no Yogasūtra de Patañjali. O “Ioga Real” ou Rāja preconiza o controlo e a disciplina mental através de práticas como a abstração sensorial, a concentração, a meditação e outras.
A palavra rāja significa rei ou governante, e sugere o domínio e o controlo sobre a mente. O Rāja procura a união do eu individual (jīva) com o eu supremo (Brahman), através do controlo e da quietude da mente. No entanto, é bom lembrar que no Iogasūtra, o Ioga não significa “União”. É precisamente o oposto: separação. O que se pretende aqui é que o adepto possa distinguir a Consciência (puruṣa) da Matéria (prakṛti), para nessa altura realizar a natureza do sofrimento.
Ioga na Atualidade: o Contexto
Existem diversos estilos (não tipos) de aulas de yoga, cada um com suas características específicas. Aqui estão alguns dos mais conhecidos:
Haṭha Clássico
É um estilo que enfatiza as posturas físicas e a respiração, e geralmente a aula de 60 ou 90 minutos termina com um relaxamento. É um estilo popular e abrangente, adequado para iniciantes, que visa equilibrar o corpo e a mente através do fortalecimento, do alongamento e do relaxamento.
Aṣṭāṅga
Jois criou esse método. Ele segue um conjunto específico de sequências de posturas, praticadas de forma fluída e dinâmica, onde se sincroniza o movimento com a respiração. É uma prática muito intensa e vigorosa que trabalha a flexibilidade e a resistência. Não serve para todos os corpos!
Vinyāsa
É um estilo parecido com o aṣṭāṅgayoga, é dinâmico e fluido. Combina movimentos, respiração e sequências posturais de forma contínua. OS movimentos são coordenados com a respiração, e assim surge uma prática fluida e energética.
Iyengar
Enfatiza o alinhamento preciso das posturas e a utilização de acessórios, como blocos e cintos, para ajudar na execução correta das posições. É um estilo detalhado e metódico que se concentra na precisão e na consciência corporal.
Kuṇḍalinī
A prática foi reformulada pelo Yogi Bhajan. Existe uma prática mais antiga com o mesmo nome. É uma prática que combina posturas físicas, técnicas de respiração, mudrās, mantras e meditação. Os praticantes acreditam que as técnicas ativam a energia Kuṇḍalinī, considerada a energia subtil adormecida em cada indivíduo.
Bikram
Este método segue uma sequência fixa de 26 posturas e duas técnicas de respiração, que são praticadas numa sala aquecida a aproximadamente 40°C. O calor intenso é considerado propício para a flexibilidade muscular. É uma experiência intensa e não recomendada para quem não suporta o calor.
Yin
Ao contrário das anteriores, é uma prática suave e passiva, inspirada na filosofia do “Daoismo” (a via do Tao) e que envolve permanecer em posturas por períodos longo, geralmente entre 3 a 5 minutos. O foco está no relaxamento profundo. As posturas e o grau de execução são fáceis.
Existem muitos outros estilos de Ioga, como o Power Ioga, o Jivamukti Ioga, o Anusara Ioga, o Sivananda, entre muitos outros. Cada estilo tem as suas características e abordagens próprias, permitindo que os praticantes encontrem aquele que melhor se adapte às suas necessidades e preferências. É de salientar que as diferenças entre os estilos posturais têm maioritariamente a ver com as sequências, que podem implicar maior ou menor força e permanência postural, transições mais ou menos rápidas, ritmadas ou coreografadas.
Conclusão
Quando falamos de Ioga é preciso contextualizar e saber a sua origem, com base na evidência. Praticar é o requisito básico e o Ioga inclui a Meditação. O (auto)estudo e a reflexão são os patamares seguintes. Estas dimensões são cumulativas e não se excluem mutuamente. São aprofundadas através do esforço pessoal e do curso de yoga.
Como a cultura humana é dinâmica e está em permanente mudança, é óbvio que o Ioga Contemporâneo tem muito pouco a ver com o Ioga Medieval. Contudo, as discussões infindáveis entre Ortodoxos e Modernistas sobre a ancestralidade, a autoridade e a autenticidade, são assuntos estéreis. Mais não são do que estratégias de poder e de recrutamento. O Ioga não precisa de Polícias, mas sim de pensamento crítico, de prática e de estudo honesto.
Para compreender o Ioga é necessário conhecer o contexto sociocultural, económico e político, no qual as práticas ocorrem. Um sistema, seja Ioga ou outro, tem dinâmicas internas e externas. As práticas podem ser as mesmas, mas a cultura, os corpos e as linguagens, são diferentes.
Bibliografia
De Michelis, E. (2004). A History of Modern Yoga. Continuum.
Mallinson, J. & Singleton, M. (2017). Roots of Yoga. Penguin Books.
Samuel, G. (2008). The Origins of Yoga and Tantra: Indic Religions to the Thirteenth Century. Cambridge University Press.
Sarbacker, S. (2021). Tracing the Path of Yoga: The History and Philosophy of Indian Mind-Body Discipline. State University of New York.