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Cancro, Psico-Oncologia e Yoga

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Este artigo aborda a relação entre o cancro, a Psico-Oncologia e as técnicas e práticas de yoga. Acima de tudo, elucida como e porquê esta prática é particularmente adequada para aqueles que sofrem ou recuperam do cancro e que procuram uma forma holística de se conectarem com os outros.

Índice do conteúdo

Dados sobre o cancro

Em 2022, foram registados globalmente 20 milhões de novos casos de cancro e 9.7 milhões de óbitos (WHO, 2022). A Organização Mundial de saúde (OMS) estima que em 2030 os novos casos de cancro tenham um aumento de 40% nos países desenvolvidos e 80% nos países subdesenvolvidos. 

Os três tipos de cancro com maior prevalência em 2022 eram o cancro do pulmão, o cancro da mama e os cancros colorretais. Devido aos avanços científicos relativos ao diagnóstico precoce e aos tratamentos existentes, a taxa de sobrevivência aos 5 anos aumentou consideravelmente e, em 2022, o número estimado de sobreviventes de cancro era de 53.5 milhões (WHO, 2022).

 

Em Portugal, os dados do Registo Oncológico Nacional (RON) relativos a 2020 registaram 60 a 65 mil casos de novos doentes oncológicos, sendo o cancro a segunda causa de morte em Portugal (Instituto Português de Oncologia do Porto, 2023). Com o aumento considerável de novos casos, bem como das taxas de sobrevivência, sublinha-se a importância de abordagens multidisciplinares em oncologia, incluindo o apoio psicológico.

O que é a Psico-Oncologia?

A Psico-Oncologia é considerada uma subespecialidade da psiquiatria. Foi inicialmente desenvolvida por Sutherland, Kissane, Kubler-Ross e Holland, que identificaram as necessidades psicossociais não reconhecidas em doentes com cancro. Desta forma, integraram um novo conhecimento e técnicas das ciências psicossociais aos cuidados relacionados com o cancro (Grassi, 2019).

 

A Psico-Oncologia é uma ciência interdisciplinar que cruza várias áreas. Engloba a psicologia, a medicina, a psiquiatria bem como a sociologia. Inclui diversos aspetos: o impacto do cancro na função psicológica dos indivíduos, na sua família e nos profissionais de saúde oncológica. Inclui também a influência da qualidade das relações entre os profissionais de saúde e os doentes oncológicos. Ademais, o papel que as variáveis psicológicas e comportamentais podem ter no risco do cancro, no seu diagnóstico, tratamento e sobrevivência à doença (OPP, 2018).

Necessidades dos pacientes de cancro

As necessidades dos pacientes de cancro não se relacionam somente com os aspetos físicos relacionados com a doença e o seu tratamento. Incluem também as implicações emocionais, interpessoais e sociais. 50% dos pacientes com cancro têm perturbações psiquiátricas que incluem um sofrimento emocional clinicamente significativo e/ou condições psicossociais não reconhecidas, ou não tratadas, como consequência do cancro. 

Estes problemas estão associados à redução da qualidade de vida do paciente, ao prejuízo nas relações sociais, a maior tempo de reabilitação, à má adesão ao tratamento, bem como ao comportamento anormal na doença.

 

Neste sentido, destaca-se o papel de relevo dos psicólogos, enquanto especialistas no comportamento humano, na redução da prevalência do cancro. Estes profissionais podem ajudar os sofredores a modificarem os seus comportamentos e a adotarem estilos de vida mais saudáveis, diminuindo aquelas que são as causas evitáveis do cancro.

 

A Sociedade Internacional de Psico-Oncologia (IPOS) reconhece que os cuidados psicossociais são um direito universal. Assim, os seus Padrões de Qualidade no Tratamento do Cancro sublinham três condições. Primeiramente, os cuidados psicossociais do cancro devem ser reconhecidos como um direito humano universal. Em segundo lugar, os cuidados oncológicos de qualidade devem integrar o domínio psicossocial nos cuidados de rotina. Em terceiro lugar, que o sofrimento deve ser medido como o sexto sinal vital depois da temperatura, pressão arterial, pulso, frequência respiratória e dor (Holland et al., 2011).

O impacto psicológico do cancro

O cancro é um evento que ameaça a vida. Assim, pode ter um forte um impacto psicológico, como o medo da morte e as preocupações com a família e com os amigos, levando ao sofrimento psicológico. Entre os efeitos psicológicos da sobrevivência à doença oncológica encontramos a ansiedade (o medo de morrer e a preocupação com reincidências). 

Além disso, lidar com o fim do tratamento (a necessidade de elaborar o que foi perdido, a exaustão e a incerteza de sentimentos) e o impacto na memória também podem levar ao sofrimento. Ademais, as alterações nas capacidades cognitivas, a fadiga, a resposta de stresse (problemas de sono e irritabilidade) e o impacto nas relações (humor deprimido, solidão e isolamento) podem ter um impacto psicológico negativo (OPP, 2018).

A incerteza associada à sobrevivência ao cancro é conhecida como Síndrome de Damocles. Segundo a mitologia grega, Damocles foi convidado para um banquete com o rei. Uma vez que lá estava encontrou uma espada, suspensa por um único pelo da cauda de um cavalo, por cima da sua cabeça. Apesar da felicidade sentida por Damocles ao estar presente no banquete do rei havia o medo permanente de que qualquer movimento para comer ou beber pudesse soltar a espada e matá-lo. Para os sobreviventes, o medo da reincidência pode resultar em ansiedade persistente e dificuldade em fazer planos para o futuro (Hewitt et al., 2006, p. 69).

O impacto psicológico do cancro pode também aumentar a vulnerabilidade do doente para patologias do foro mental. Além disso, à medida que a sobrevivência do cancro aumenta, os problemas a nível da saúde mental tendencialmente também se acentuam, em particular os problemas de ansiedade e/ou de depressão (Lee et al., 2020; OPP, 2018).

Aspetos psicossociais do cancro

Dado o número crescente de sobreviventes do cancro, compreender os impactos psicossociais do cancro, assim como do tratamento do cancro, torna-se fundamental.

Historicamente, a investigação psicossocial tem-se concentrado nas consequências negativas do cancro (perturbações do humor, ansiedade e problemas cognitivos, desafios de coping e problemas nas relações sociais). No entanto, a investigação também revela que as experiências de cancro podem aumentar a resiliência pessoal, os sentimentos de gratidão e de apreciação pela vida e o sentimento de auto-estima e de mestria, o que minimiza os impactos adversos da doença (Hewitt et al., 2006; Yao et al., 2023).

Assim, após o diagnóstico e tratamento do cancro, é crucial considerar os impactos positivos e negativos da experiência do cancro nas intervenções psicossociais para os sobreviventes, minimizando os impactos negativos e aumentando os impactos positivos.

A qualidade das relações entre os profissionais de saúde e os doentes oncológicos

Para preservar a sua saúde mental e o seu bem-estar, os pacientes com cancro necessitam frequentemente de níveis de apoio interpessoal e emocional acima da média. Este apoio compreende ajuda moral ou material e apoio de vários sectores da sociedade, incluindo dos familiares, amigos, grupos sociais e dos profissionais de saúde.

 

O apoio social emocional alivia efetivamente as emoções negativas dos pacientes e tem um efeito positivo na motivação para participar no tratamento. Assim, devido ao efeito positivo do apoio emocional nos pacientes, a empatia clínica tornou-se popular na prática de saúde. Isto significa que os profissionais de saúde estão comprometidos em compreender as experiências, necessidades e pensamentos dos pacientes e em comunicarem-se com eles com precisão para otimizar os resultados do tratamento (Zhong et al., 2022).

 

Num estudo que teve por objetivo a formulação de um modelo do apoio social para pacientes com cancro, entre as diferentes fontes de apoio social, os pacientes ​​indicaram os profissionais de saúde como sendo significativamente importantes. Deste modo, foi demonstrada uma correlação entre o apoio recebido destes profissionais, a necessidade e a satisfação com o apoio recebido, e todos aspetos importantes da qualidade de vida (Pasek et al., 2021).

O papel das variáveis psicológicas e comportamentais

Os estilos e as estratégias de coping são os esforços psicológicos e comportamentais específicos que as pessoas utilizam para tolerar ou minimizar eventos causadores de stress e de sofrimento. No contexto oncológico, foram identificados 5 tipos de coping: a procura de apoio social, o foco no positivo, o distanciamento, o evitamento cognitivo e o evitamento comportamental (Beesley et al., 2018).

Estilos de coping ativos, como a procura de apoio social instrumental e emocional, são comportamentos importantes no coping focado nos problemas, sendo particularmente benéficos para os pacientes de cancro com consequente impacto na qualidade de vida (Hill et al., 2016; Zhong et al., 2022).

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Qualidade de vida no cancro

Com o número crescente de pacientes e de sobreviventes de cancro, a questão de como coexistir com o cancro torna-se cada vez mais premente, sendo a qualidade de vida e a saúde mental uma consideração clínica importante.

A qualidade de vida (QOL) é um construto multidimensional definido como a medida em que o bem-estar físico, social, funcional ou emocional esperado dos pacientes é afetado pelo tratamento médico. Assim, inclui as percepções dos pacientes sobre o diagnóstico e os diferentes tratamentos administrados. 

O cancro reduz consideravelmente a QOL, por ser uma doença em si e pelas limitações vivenciadas pelos pacientes (Ruiz-Rodríguez et al., 2022). No entanto, estratégias de coping ativas, como a procura de apoio social, aumentam a QOL nos pacientes de cancro.

Apoio social no cancro

O apoio social é um construto interativo, uma transação interpessoal que ocorre entre alguém que precisa de ajuda e fontes de apoio. Ademais, implica emoções, informações e ajuda material num contexto específico. Assim, o apoio social é frequentemente fornecido pela comunidade, pelas redes sociais do paciente e pelas relações de intimidade, tanto em situações da vida cotidiana quanto em momentos de crise ao longo da vida.

A maioria dos autores divide o apoio social em três tipos: emocional (sentir-se amado e ter a certeza de ter alguém em quem confiar), instrumental (disponibilidade de ajuda imediata) e informativo (receber conselhos ou informações. O apoio social é uma variável importante no coping com o cancro, podendo ser um dos principais fatores que melhor avaliam a qualidade de vida em qualquer das fases do processo da recuperação da doença (Pasek et al., 2021).

O apoio social emocional pode ajudar com o processamento de preocupações pessoais e com o distress psicológico, enquanto o apoio social instrumental pode resultar em apoio tangível e baseado em informação (Hill, 2016). Hill verificou que, ao comparar a procura de ambas as formas de apoio social, apenas a procura de apoio emocional era preditor da qualidade de vida e da diminuição dos sintomas de saúde mental em mulheres com cancro do ovário.

O yoga como estratégia de coping

O yoga pode ajudar no tratamento do cancro de várias maneiras. Embora não seja uma terapia direta para o cancro, pode complementar os tratamentos médicos convencionais e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Estas são algumas das formas como o yoga pode ajudar:

  1. Redução do stresse: O yoga inclui técnicas de respiração profunda, meditação e relaxamento muscular, que podem ajudar a reduzir os níveis de stresse e de ansiedade nos pacientes com cancro. Isso pode melhorar o bem-estar emocional e até mesmo fortalecer o sistema imunológico.
  1. Melhoria do sono: Muitas pessoas com cancro enfrentam dificuldades para dormir devido ao stresse e à ansiedade. Por conseguinte, praticar yoga regularmente pode promover um sono mais profundo e restaurador, o que é crucial para a recuperação e para o bem-estar geral.
  1. Alívio de sintomas físicos: O yoga inclui posturas (āsanas) que ajudam a melhorar a flexibilidade, a força e o equilíbrio. Isto pode ser especialmente útil para pacientes com cancro que enfrentam fadiga, fraqueza muscular e rigidez devido ao tratamento ou à doença em si.

    Outros fatores de qualidade de vida durante o cancro.

  1. Estímulo do sistema linfático: Certas posturas de yoga podem ajudar a estimular o sistema linfático, que é uma parte importante do sistema imunológico. Isto pode auxiliar na remoção de toxinas do corpo e a melhorar a circulação sanguínea.
  1. Aceitação e conexão: O yoga enfatiza a aceitação do momento presente e a conexão mente-corpo. Para pacientes com cancro, isto pode ajudar na aceitação da sua condição, na gestão das emoções associadas, e na promoção de uma atitude mais positiva em relação à vida e à saúde.

Embora o yoga não seja uma solução para o cancro, pode ser uma ferramenta valiosa quando combinada com outras estratégias, como as já referidas, bem como pela procura ativa por conexões sociais significativas e a prática regular do autocuidado emocional. Consulte o nosso glossário de yoga para mais detalhes sobre os significados dos conceitos. 

Bibliografia

Beesley, V., Smith, D., Nagle, C., Friedlander, M., Grant, P., DeFazio, A., Webb, PM. (2018); OPAL Study Group. Coping strategies, trajectories, and their associations with patient-reported outcomes among women with ovarian cancer. Support Care Cancer. Dec;26(12):4133-4142. doi: 10.1007/s00520-018-4284-0.

Grassi L. (2020). Psychiatric and psychosocial implications in cancer care: the agenda of psycho-oncology. Epidemiology and Psychiatric Sciences. Jan 9;29: e89. doi: 10.1017/S2045796019000829.

Hewitt, M., Greenfield, S., & Stovall, E. (2006). From cancer patient to cancer survivor: Lost in transition. In American Society of Clinical Oncology and Institute of Medicine Symposium. National Academies Press. https:// doi.org/ 10. 17226/11613.

Hill, EM. (2016). Quality of life and mental health among women with ovarian cancer: examining the role of emotional and instrumental social support seeking. Psychological Health Medicine. Jul;21(5):551-61. doi: 10.1080/13548506.2015.1109674.

Holland, J., Watson, M., Dunn, J. (2011). The IPOS new International Standard of Quality Cancer Care: integrating the psychosocial domain into routine care. Psychooncology. Jul;20(7):677-80. doi: 10.1002/pon.1978.

Instituto Português de Oncologia do Porto. (2023, Novembro). Registo oncológico nacional de todos os tumores na população residente em Portugal, em 2020. https://ron.min-saude.pt/media/2223/ron-2020.pdf

Lee, S., Nam, C., Kim, Y., Kim, T., Jang, S., Park, E. (2020). Impact of onset of psychiatric disorders and psychiatric treatment on mortality among patients with cancer. Oncologist. Apr;25(4): e733-e742. doi: 10.1634/theoncologist.2019-0396.

Bibliografia de O a Z

OPP. (2018). O papel da Psicologia e dos psicólogos nas doenças oncológicas. Gabinete de Estudos OPP. https://recursos.ordemdospsicologos.pt/files/artigos/o_papel_da_psicologia_e_dos_psic__logos_nas_doen__as_oncol__gicas.pdf

Pasek, M., Suchocka, L., Gąsior, K. (2021). Model of social support for patients treated for cancer. Cancers (Basel). Sep 24;13(19):4786. doi: 10.3390/cancers13194786.

Ruiz-Rodríguez, I., Hombrados-Mendieta, I., Melguizo-Garín, A., Martos-Méndez, MJ. (2022). The importance of social support, optimism and resilience on the quality of life of cancer patients. Frontiers in Psychology. Mar 9; 13:833176. doi: 10.3389/fpsyg.2022.833176.

Yao, G., Lai, J., Garcia, S., Yount, S., Cella, D. (2023). Positive and negative psychosocial impacts on cancer survivors. Scientific Reports. Sep 7;13(1):14749. doi: 10.1038/s41598-023-41822-x.

 WHO. (2022). World Health Organization (WHO) -Global cancer burden growing, amidst mounting need for services. Fevereiro, 2024.

Zhong, F., Pengpeng, L., Qianru, Z. (2022). Grouping together to fight cancer: The role of WeChat groups on the social support and self-efficacy. Frontiers in Public Health. Mar 8; 10:792699. doi: 10.3389/fpubh.2022.792699.

Escrito por Ana Gema Hayes

Licenciada em Microbiologia (Londres) e em Psicologia (Lisboa). Frequenta o mestrado em Psicologia Clínica na Universidade de Lisboa. É yogaterapeuta, instrutora e formadora nos cursos de yoga do IPYM.

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